As três vezes que Gustavo Kraemer esteve em “Cabo Polônio”

Foto: Vitória Proença

Sentados na areia, um casal se cobre de estrelas. Afastados da velocidade do mundo, entram em um transe primitivo que os faz se preocupar apenas em colecionar conchinhas e seguir o barulho das ondas que, ao fundo do mar, abrigam os lobos marinhos. Mar que separa as ilhas de Cabo Polônio do município de Rocha. De todo o Uruguay. De toda civilização.

Lançada ainda como canção, no álbum Caroneiro Vol. I, feito em parceria com Erick Corrêa, a composição “Cabo Polônio” de Gustavo Kraemer nos descreve esse cenário lúdico onde ele esteve presente no mesmo dia em que conheceu o músico Jorge Drexler, em 2017. 

Imerso em todo esse imaginário uruguaio, Gustavo transforma o cenário em melodia. Debruçado sobre seu violão, a veste com o seu véu harmônico. Assim se faz a canção.

Ilhado, o micro-povoado de Cabo Polônio só pode ser acessado pelo transporte oficial da guarda ambiental uruguaia. Sem energia elétrica, a vivência que se tem por lá, para todos nós tão acostumados com a urbanização e a eletricidade de todas as coisas, é um processo constante de re-entender nossos comportamentos e relações.

Foto: Vitória Proença

Talvez inspirado por esse desapego que a ilha proporciona, Gustavo permite que a lapidação da ação do tempo faça com que a música se desapegue da canção e assuma sua forma sem letra, sem canto, mas ainda recheada do mesmo imaginário.

Gravada em uma sessão no estúdio da Pedra Redonda, em Porto Alegre, a segunda versão de “Cabo Polônio” reflete muito bem esse desprendimento. Aqui, todo o arranjo de banda também é desligado da composição, e interpretada apenas pelo violão de Gustavo e o flugelhorn de Diego Garbin.

Tendo um passado musical que atravessa grupos como Guantánamo Groove, Orquestra Itaimbé, Sexteto A Ponte, Duo Dandis, Duo Desconserto (com Pirisca Grecco), Big Band Profissional do Conservatório de Tatuí e Grupo Raiz de Buriti, além de professor-gestor da Casa de Cultura Instituto Casa Nobre na Guarda do Embaú (SC), Gustavo Kraemer está prestes a lançar o seu primeiro álbum solo, Artesã.

Resultado de cinco anos de estudos diários ao piano, esse trabalho é um reflexo de um processo de reconstrução e reinterpretação da sua música, muito inspirado no método de aprendizagem que ele observou nos alunos das aulas que ministrou online durante a pandemia.

Assim, o compositor sentiu que seria justo “Cabo Polônio” ter ainda uma terceira versão, lançada como segundo single de seu álbum.

Foto: Vitória Proença

Gravada no estúdio SOMA, também em Porto Alegre, a “praia do passado”, como o próprio Gustavo se refere à Cabo Polônio, despertou novos caminhos para a composição através de suas lembranças e de sua vontade de renovação. Essa sessão parece retomar tanto a sua primeira versão, trazendo os arranjos para piano, baixo e bateria, quanto a segunda, se desapegando tanto da letra quanto do próprio domínio do autor sobre a estrutura da música, que aqui é extremamente influenciada e cadenciada pela interpretação primorosa de Lucas Fê (bateria) e Caio Maurente (baixo acústico).

As reinvenções realizadas na composição “Cabo Polônio” parecem sintetizar muito da ideia que todo o álbum Artesã trata. Somando versões embrionárias no violão com interpretações com banda (contando com os mesmos Lucas Fê e Caio Maurente assumindo suas posições), o primeiro trabalho solo de Gustavo Kraemer é um testemunho do seu processo criativo, com suas reinvenções e reinterpretações necessárias.

A Artesã de que o título trata, é a própria música. Sendo aqui observada como um espírito que orienta e transforma as pessoas inseridas e dedicadas a ela, para que sejam agentes de sua lapidação e criação de formatos a partir de um mesmo norte.  

Dessa forma, Artesã conta com seis composições divididas em dez faixas, sendo que algumas possuem duas versões cada, e tem previsão de lançamento ainda para 2021.

Foto: Vitória Proença

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