Conheça uma artista: Jasper

Por Carlos Eduardo Pereira

Vinícius Romancini, mais conhecido como Jasper, é uma artista que não limita-se a uma forma de expressão. Seja como Drag ou na arte gráfica, transmite a representatividade que na sociedade não encontra.

Nesta entrevista, ela fala um pouco sobre seu processo de criação e descobrimento de suas expressões.

Conte um pouco sobre a sua história. Desde quando tu desenha?

☆-  Eu me chamo Vinícius Romancini, mas sou mais conhecido por Jasper, o meu nome artístico. Tenho 19 anos no momento, nasci em São Gabriel – MS, mas atualmente resido em Chapecó – SC e curso Design. Sempre fui uma pessoa com uma visão diferente do mundo e recebo e devolvo informações externas e internas de um jeito que nem eu entendo muito bem. Quando pequeno, eu não tinha noção de muita coisa e de uma delas era da arte e de quanto ela é importante para mim e para as pessoas. Mas ao chegar na adolescência comecei a conhecer pessoas e me conhecer. Primeiro foi o desenho, que aos 14 anos me dediquei a treinar meu traço e desenvolver técnica e estilo próprio, que eu considero minha característica artística mais forte por estar a mais tempo comigo. Depois aos 16 descobri a arte Drag que me possibilitou expandir meu horizonte, e com a Drag vem a maquiagem, dança, costura, atuação e etc. Então a bola de neve já foi aumentando, e com o passar do tempo meus pensamentos foram sedimentando e transformo muita coisa em poesia e músicas, que é meu próximo passo artístico que estou desenvolvendo junto a minha voz para projetos futuros.

O que tu mais gosta de desenhar?

☆ – Eu sou uma pessoa que se sente pouco representada na mídia tanto como pessoa mas também emocionalmente. Geralmente emoções em desenhos/filmes são muito sintéticas e superficiais para mim e por ser uma pessoa queer que se identifica como Não-binário e é bissexual, nossa gente já é extremamente deixada de lado, censurada e não é levada a sério. Então minha arte sempre foi e vai ser extremamente crua, queer e antifascista sem culpa. Minha arte é um reflexo de minha pessoa. O abstrato e o surreal muitas vezes é minha forma de sintetizar o que eu sinto. Apesar de ter sinestesia e relacionar cores em sentimentos e sons, na maioria das vezes é abstrato, e uma feição de tristeza, por exemplo se traduz muito em um rosto sem expressão, ou em cores denominadas “felizes”, como o amarelo ou o Amor que faz mais sentido sendo azul, e certas estéticas e coisas que parecem não fazer sentido pra outra pessoa para mim fazem parte de algo muito importante.  No inicio de meus anos de desenho, eu desenhava muitos personagens de desenhos que assistia, mas agora eu desenvolvi e me apeguei em vários personagens que são um reflexo de quem eu sou, fui, sinto ou já senti, então eles viraram uma especie de escapatória emocional pra mim. E por serem fruto de algo tao pessoal e complexo, possuo um relacionamento bem delicado com eles e minha arte digital no geral. Um tempo atrás me sentia um pouco ofendido quando as pessoas não interpretavam nem faziam questão de prestar atenção em coisas obvias e perguntavam se um demônio de 2,5 metros com cabelo amarelo e barba era eu, o que claramente não é, ou por eu ser drag acham que são drags. Eu ficava bem de saco cheio, mas hoje em dia quando acontece eu acho engraçado. A melhor definição de quando senti que alguém entendeu o que eu faço foi quando um professor viu minha arte e disse “é bem gay, né?”. Foi tudo pra mim. Nunca vou esquecer, eu rio muito até hoje.

Como é o teu processo para fazer um desenho?

☆- Meu processo de desenho depende do que quero fazer. Quando é um design de personagem eu sigo as técnicas de balanço, proporção, estética, colorimetria, linguagem visual no geral, a concept art e por ai vai. É uma coisa mais metodológica. Para ilustrações complexas eu vou sempre ter um sentimento/contexto/conceito por trás, uma estética, referências, geralmente envolvem meus personagens que já tem uma paleta de cores pronta, que basta eu escolher o que quero transmitir com a peça. As cores depois que você entende como elas funcionam de cabeça você já usa elas no automático, pois sabe o que vai combinar, contrastar, qual emoção ou destaque quer dar pra obra. Até mesmo algum desenho mais superficial meu tem alguma coisa que eu quis transmitir nem que seja clichê e na cara. Por ter TDAH (Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade) eu tenho bastante dificuldades no meu processo criativo. Posso ficar meses fazendo desenhos e desistindo antes mesmo de terminar o esboço ou desenhar até 3 ilustras completas em uma noite. Então é difícil me encaixar em um padrão comercial produtivo com meus desenhos, tanto pela minha neurodivergência tanto quanto a falta de interesse do mercado e público pela minha arte.

Quais são tuas principais referências? Indique algum artista que tu curte.

Não só para meus desenhos mas para minha arte no geral, eu gosto de falar que meus quatro pilares de inspiração e referência são: Eu mesmo, a natureza, pessoas e Espiritualidade.

Eu sou o reflexo da minha arte e vice-versa. É algo tão encarnado em mim que não sei nem como eu viveria sem. É muito importante.

A natureza é extremamente importante para nós que eu não consigo nem explicar o quanto me sinto indignado pela falta de interesse e o descaso das pessoas com ela. É surreal a minha agonia e desespero nessa parte, tudo o que temos veio dela e tudo vai voltar pra ela. Me sinto pessoalmente ofendido ao ouvir palavras e atos ignorantes contra ou sobre ela.

As pessoas me inspiram muito, me empoderam, me deixam feliz, triste, com ódio, me trazem e me tiram muita coisa. Nós somos bicho de grupo, não existe gente sem gente.

Alguns artistas que me inspiram são Rebecca sugar, Hayao Miyazaki, Claude Monet, Banksy, Salvador Dali, Tarsila de Amaral, Frida Kahlo e os outros centenas que sigo no Instagram.

A espiritualidade é um traço humano, nosso cérebro busca uma âncora espiritual, seja o que for. E vejo por minha própria experiência que ser uma pessoa cética demais sem cuidado ou motivo certo pode desequilibrar nossa mente e coração. Por ter noção histórica eu sei o quanto certos caminhos jamais me aceitariam de verdade e eu nunca me submeteria e precisaria de aceitação de um lugar que foi desenvolvido para me perseguir e perseguir minha gente. Então, achei refúgio na Bruxaria onde sigo livre e empoderado.

Qual programa ou materiais tu usa para desenhar?

☆- Uso o programa SAI (Paint Tool SAI.) E o Photoshop caso queira algum filtro ou efeito específico, desenho com uma mesa digitalizadora wacom.

Quais são as referências para sua drag? Como é ser drag na região? Indique alguma Drag que tu curte.

☆- As referências também vem dos quatro pilares, mas especificamente minha estética drag é bem variada e tenho uma alma bem eclética, mas tem o centro no sombrio, gótico, demoníaco e sexy. Então por exemplo: mesmo em um look fofinho e pastel, ainda vou ter aquele detalhe que remete à estética primária. Ser drag no geral é gostar do que faz e saber fazer bem, uma drag preguiçosa e que só faz por fazer e não reconhece o ato político que é ser drag ou artista no geral, não vai ir longe nem ser levada a sério. Recomendo que qualquer pessoa faça drag, é uma arte sem amarras que qualquer tipo de pessoa pode fazer. Faça por diversão. Eu inclusive me divirto igual criança em parquinho, mas saiba que não é pra todo mundo e pense bem se é aquilo que você quer continuar fazendo. Drag não é só glitter e glamour, é corre, close e baque. Somos artistas sérias e não levamos desaforo pra casa. Ser drag na cena chapecoense é performar a cada 10 anos e não ser paga. É ter pouco espaço pra muita drag. A cidade precisaria de no mínimo cinco casas noturnas com eventos todo mês para uma drag se sustentar só com isso ou ter uma renda secundária decente. Ser drag na cidade também é lidar com problemas de outras pessoas que acham que somos bonequinhas de pano de palco para piada. Se não é algum gay que não faz drag se metendo em nossos projetos tentando criar briga entre nós para o entretenimento deles, temos que lidar com gays sem talento que colocam uma peruca esfarrapada na cabeça e gravam vídeos de “comédia” completamente sem graça que só fazem “sucesso” em cima de deboche por cima das drags e mulheres trans, consumido por um público cis hétero pra fazer de nossa vivência piada. Como eu disse, levamos nossa arte a sério e não levamos desaforo pra casa. E afrontar drag é falta de amor pelos seus dentes.

Vou indicar algumas drags locais aqui da cidade e região que eu convivo bastante, mas existem muitas, então é só ficar de olho.

Vatlota Monstra, Morgan Solari, Egon Maurice Lasand, Luna Face, Amy Catacumba Waves, Katrina Addams e por ai vai.

Como tu vê o mercado de trabalho?

☆- Como designer vejo muitas oportunidades fora do país e algumas aqui no Brasil, então ainda estou me informando bem onde ir, pois quero ser concept artist e character designer. Como artista honestamente vejo uma grande incerteza e volatilidade pois não sou valorizado profissionalmente como artista em nenhuma das coisas que faço no momento, e eu precisaria de muita sorte para chegar em um nível de reconhecimento para me sustentar como artista. O que me mantém são os amigos e artistas locais que me incentivam e nos seguramos, pois o desânimo é real e as vezes penso estar fadado a só ser reconhecido tarde demais, ou nem isso. Tenho planos claro, não vivo só nessa incerteza, pois como disse, ainda tenho apoio verdadeiro de pessoas próximas, e não pretendo desistir ainda. Tenho planos secundários com o design e projetos artísticos que podem ser minha alavanca que eu precisava.

O que tu almeja para o teu futuro? Daqui há 10 anos, tu quer tá fazendo o quê?

☆ – Me vejo realizado e reconhecido o suficiente como artista. Tem que ter fé.

Pra ti, o que é arte?

☆- É o que o artista quer que seja.

Qual desenho tu tem mais apreço?

☆- Não tenho preferido. Acho todos muito únicos pra serem comparados, então diria aquele que você viu e se identificou ou sentiu a emoção mais forte.

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