Entrevista com Dandara Manoela

Atração da 8ª edição do Arvo Festival, Dandara fez show convidando Rincon Sapiência. Após a apresentação, a cantora conversou com a Revista Artemísia no backstage.

Foto: Felipe Maciel

Por Renan Bernardi

A primeira vez que ouvi Dandara Manoela foi no álbum Via Várzea, da Orquestra Manancial da Alvorada, lançado em 2018. Lá, ao lado do maestro Julian Brzozowski, ela e Marissol Mwaba faziam as vozes de belas canções, como “Ad Remelexum Et Avant”, “Cantiga do Escravo Liberto” e “Preço Bom Nós Tem”.

No mesmo 2018, ela lançou seu primeiro álbum solo, Retrato Falado e, na turnê de divulgação do trabalho, passou pelo Sesc de Concórdia, onde eu morava na época. E fez um belo show! Lembro de reconhecer Jeff Nefferkturu na guitarra, que eu descobri como baixista d’O Exótico Quark Encanto.

Mas antes disso – é claro – tem muita história. Dandara nasceu em Campinas, interior de São Paulo, e cantava na igreja desde os 7 anos de idade. Profissionalmente, a vida de cantora só se fez quando veio morar em Florianópolis, em 2014.

A ocasião que a trouxe para a Ilha de Santa Catarina foi o curso de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Cantarina (UFSC), onde ela começou a entender melhor as contradições sociais e também a sua própria vida e trajetória como mulher preta, periférica e lésbica. Um processo que a torna, além de cantora, também uma compositora.

Já em 2015, Dandara passa a integrar o grupo de samba reggae Cores de Aidê como vocalista e percussionista. Da banda formada apenas por mulheres, Dandara organiza um bloco de carnaval, que marca presença nas ruas de Florianópolis todos os anos. Também com o grupo, lançou o álbum Quem É Essa Mulher? no mesmo ano de 2018: como vemos, uma data muito marcante para a carreira de Dandara.

Mas a estreia de sua trajetória discográfica veio antes, quando ela foi vocalista da banda Seu Baldecir, com a qual lançou o álbum Transbordar, em 2016.

Foto: Felipe Maciel

A partir de Retrato Falado, o reconhecimento e protagonismo de Dandara na vida cultural de Santa Catarina só cresceu, e a sua participação na 8ª edição do Arvo Festival confirma isso.

Ocorrido no dia 28/10, na Arena Império das Águias, bairro do Campeche, o Arvo reuniu nomes como Tulipa Ruiz, Anelis Assumpção, Liniker, Jorge Aragão, FBC e muito mais. Dentro desse line-up cheio de artistas reconhecidos no Brasil inteiro, Dandara teve não apenas um lugarzinho como representante local, mas uma boa poltrona no horário nobre do evento.

Com um ótimo show, envolvendo o repertório de seu álbum de estreia e sucessos como o single “Pretas Yabás”, a apresentação da cantora ainda contou com um convidado especial: Rincon Sapiência, que dividiu o palco cantando canções suas e outras junto com Dandara, sempre em uma harmonia bonita de se ver.

Dandara Manoela e Rincon Sapiência no palco do Arvo Festival. Foto: Felipe Maciel

Após o show, Dandara conversou com uma série de canais de comunicação no backstage do festival – coisa que também afirma o interesse legítimo que público e crítica têm por seu trabalho. “Ocupando a cidade / Reescrevendo a história”.

Entre as entrevistas que deu, ela também destaca o horário privilegiado que recebeu na programação do festival, declarando ser uma ação muito importante para que um público maior conhecer o seu trabalho desenvolvido em Santa Catarina. Trabalho que, como eu já disse anteriormente, não fica devendo nada às referências vindas do sudeste do Brasil.

Quando chegou a minha vez de falar com Dandara, perguntei como havia acontecido o convite para fazer esse show com Rincon, e ela me contou uma história que, ao mesmo tempo que tão simples, é recheada de certa magia e ancestralidade. Algo como a própria música de Dandara. “Cara, eu lembro até hoje que eu tava fazendo trança no meu cabelo, há muitos anos atrás, e a trancista me apresentou o Rincon. Fazer trança no cabelo é um negócio de muitas horas, e aí a gente vai trocando ideia e tal. Além da trança já ter todo esse simbolismo ancestral também. Aí ela me apresentou o som dele, falando ‘cara, tem um cara que eu acho que você vai gostar!’ e aí eu fiquei completamente apaixonada, com os clipes e tudo mais, a referência afro, umas letras muito fodas, e desde aquele momento eu virei muito fã.”

“Teve uma vez que eu tive a oportunidade de ir para Paraty (RJ), no Sesc Paraty, fazer um show meu solo, e eu soube que o Rincon tava na cidade. Aí eu fui dar um passeio a noite e sai com o meu CD, pensando ‘vai que eu encontro o Rincon pela rua…’ e eu encontrei! Tenho até hoje essa foto, não sei nem se ele vai lembrar disso.”

“Aí agora o Arvo me fez esse convite, pediu pra eu convidar alguém, e pronto: brilhou essa ideia e foi o momento que eu pude chamar ele, que é uma grande referência. Fui muito bem acolhida por ele, pela equipe dele, deu match total, adorei fazer esse show. E foi um desafio, porque apesar do nosso conteúdo ter algumas coisas que conversam, o nosso estilo é muito diferente. Mas eu quis ousar mesmo, sair da caixinha e tal, e pra mim foi uma experiência incrível.”

Foto: Felipe Maciel

Além de parte integrante do Cores de Aidê, Dandara também é arte-educadora. No Arvo Festival, fez um show que, além de Rincon Sapiência, também convidou artistas locais expoentes. Fica claro que o senso de comunidade é algo inerente ao trabalho de Dandara. “Cara, pra mim a gente não faz nada sozinho, então eu sempre trago muito dessa coletividade no meu trabalho. Assim como fizeram comigo, tento sempre trazer a galera que tá aparecendo. Acho que essa coisa de convidar, dar matchs, é uma alegria, uma honra. Faço isso em outros trabalhos, como o Cores de Aidê, também como professora, e acho que são outras formas da gente conseguir fazer a mensagem que a gente tem pra passar, ecoar. Então, onde eu puder fazer isso, do jeito que eu puder fazer isso, estarei presente.”

Dandara Manoela e O Rosa no palco do Arvo Festival. Foto: Felipe Maciel

E fazendo jus a proposta de Dandara, vale destaca aqui um entre os “matchs” da cantora que estiveram no palco do Arvo: O Rosa, cantor que acaba de lançar seu primeiro clipe, chamado “Louvada seja a Dança”.

Dandara no Oeste

Como a Revista Artemísia tem sua sede em Chapecó, vale reforçar o convite enquanto é tempo: Dandara faz parte da programação do “Novembro É Festa”, do Sesc, com seu show Afetos, onde a cantora faz apresentações íntimas, só com voz e violão.

No Oeste de Santa Catarina, o show passará pelas cidades de Concórdia (27.11), Chapecó (28.11) e São Miguel do Oeste (29.11). Antes disso, a apresentação também acontece em Lages (26.11).

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